Seja Bem Vindo ao blogger da LCV-PE

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Pessoal , ai vai uma reportagem da revista Veja de 30 de agosto de 2000 sobre videolaparoscopia no Brasil, eu achei interessante e queria compartilhar com vocês... beijos, abraços e feliz páscoa a todos!


Revolução minimalista

Técnicas cirúrgicas evoluem para cortes
cada vez menores, com menos dor e
recuperação mais rápida

Flávia Varella

Claudio Rossi

Retirada de rim de um doador vivo por laparoscopia: órgão inteiro sem a necessidade de um doloroso corte de 30 centímetros

Grandes cirurgiões, grandes incisões. Todos os médicos que se formaram há mais de dez anos aprenderam medicina ouvindo essa frase nas salas de aula e nos centros cirúrgicos. Hoje, a velha máxima é citada apenas para demonstrar como as coisas mudaram. Em 1989, foi feita a primeira videolaparoscopia no Brasil: a retirada de um cisto de ovário sem abrir a barriga da paciente. Bastaram quatro cortes de 1 centímetro cada. No ano seguinte, um homem teve a vesícula extraída pelo mesmo método – quatro incisões mínimas. Era o começo de uma revolução silenciosa que está mudando o panorama nas mesas de operação, ao produzir um número cada vez maior de cirurgias realizadas com aparelhos que permitem fazer cortes cada vez menores. "Depois da anestesia e do antibiótico, o avanço mais importante foi o das cirurgias minimamente invasivas", diz o cirurgião Thomas Szegö, autor da primeira extração de vesícula sem cortes grandes no Brasil. Hoje, o mundo inteiro aceita que vesícula se tira por laparoscopia.

Vesícula, útero, ovário, próstata, coração, rim, joelho, cérebro. Em uma década, as técnicas avançaram tanto que tudo isso agora pode ser operado sem expor o interior do corpo do paciente. Há quatro meses, pela primeira vez uma equipe do Hospital das Clínicas de São Paulo desprendeu o rim de um doador vivo através de quatro orifícios de 1 centímetro cada e o retirou, para ser transplantado num doente, por um corte de 10 centímetros acima do púbis. "A nova técnica serve como alternativa a uma operação em que o doador – uma pessoa sadia – recebe um corte de cerca de 30 centímetros da barriga até as costas e sente dor por mais de um mês", avalia Anuar Mitre, urologista e cirurgião do HC. Cirurgias importantes, como a de tratamento de aneurisma cerebral, em que é preciso cortar o couro cabeludo, serrar o crânio e manipular o cérebro, já podem ser substituídas em determinados casos por um método em que a única incisão necessária é um talho na virilha(veja quadro).

Vantagem estética – O cenário de açougue das mesas de operação diminui com as cirurgias minimamente invasivas e o paciente acumula vantagens: sofre menos dor, tem recuperação mais rápida e o risco de infecção hospitalar encolhe. Qualquer pessoa que tenha feito uma cirurgia, mesmo banal, como a retirada do apêndice, sabe o quanto o corte dói e incomoda até a completa cicatrização. Além disso, nas cirurgias abertas, a colocação de afastadores de órgãos para abrir espaço ao trabalho do cirurgião também provoca dor durante dias. Com as novas técnicas, que implicam cortes minúsculos e anestesia mais superficial, a alta hospitalar costuma ser antecipada. O retorno às atividades normais e a retomada funcional do organismo também tendem a ser mais rápidas. Existe até a nada desprezível vantagem estética das cicatrizes quase imperceptíveis, o que contribui muito para o bem-estar psicológico. Um paciente que de manhã opera o menisco por artroscopia à tarde vai para casa andando. "Se faz a mesma coisa pelo método convencional, fica imobilizado com gesso durante duas a três semanas", afirma Moisés Cohen, da Escola Paulista de Medicina.

Elielze Bispo Saviano e Oneida Gonçalves dos Santos tiveram o útero retirado no início deste mês porque não agüentavam mais as cólicas terríveis e os sangramentos provocados por miomas. Elielze fez a operação pelo método da laparoscopia. Oneida passou por uma cirurgia convencional em que o abdome foi aberto. Elielze recebeu alta no dia seguinte à operação. À tarde, foi ao supermercado. "Nem tomei o analgésico que o médico sugeriu", conta. Oneida passou uma noite na UTI, ficou hospitalizada quatro dias e uma semana depois de receber alta ainda sentia dor ao levantar e sentar, enquanto a barriga estava inchada por causa dos pontos. "Se eu tivesse a opção de fazer a outra operação, faria. Só de não ficar no hospital já vale", diz (veja nos quadros a comparação passo a passo).

Olhar indecente – O princípio das cirurgias minimamente invasivas – nome genérico que engloba várias técnicas diferentes, como laparoscopia (ver dentro da cavidade abdominal), artroscopia (perscrutar as articulações), toraxcopia (dentro do peito), endoscopia (as cavidades dos órgãos e dos vasos) – é a possibilidade de enxergar o interior do corpo sem necessidade de abri-lo. A idéia não é nova. No início do século XIX, o médico francês Bozzini introduziu um tubo metálico na uretra de uma mulher e acendeu uma vela do lado de fora para enxergar sua bexiga. Foi suspenso da academia médica porque, pelos padrões da época, considerou-se indecente olhar dentro do corpo humano. Mais de um século e meio depois, a questão da visualização foi resolvida pela laparoscopia com fibras ópticas finíssimas, que levam luz para o interior do organismo. As fibras com lentes na ponta funcionavam como um microscópio comprido.

No início, o procedimento era usado apenas para diagnóstico, ou seja, enxergar o estado das coisas dentro do corpo. No final da década de 70, acoplou-se uma microcâmara à fibra óptica. Com isso, o médico não precisava mais segurar o tubo para olhar por ele, já que as imagens apareciam na tela de TV. Suas mãos foram liberadas para, finalmente, começar a fazer intervenções. Em geral o sistema óptico é introduzido por um corte no umbigo. Pelas outras incisões entram pinças e tesouras com cabos compridos que o médico pilota com o olho grudado na tela de TV.

Na endoscopia, a imagem interna é fornecida por radiografias, que também aparecem num monitor de TV. Com a injeção de contraste, sabe-se exatamente onde está o cateter que anda pelo interior de vasos e pelos órgãos. Nas endoscopias, não são usados instrumentos cirúrgicos. É o próprio cateter que leva e solta no lugar certo o material necessário para tratar a doença: balões que inflam e esmagam placas de gordura nas artérias; espirais metálicas, chamadas stents, que mantêm abertos os vasos estreitados, ou molas também metálicas que preenchem as dilatações dos vasos, aneurismas, impedindo o sangramento e conseqüente derrame (veja quadro).

A lista do que se pode tratar por meio de técnicas minimamente invasivas cresce a cada ano. Baço, apêndice, hérnia do hiato, esôfago, estômago, intestino, quase tudo no aparelho digestivo pode ser mexido com essas intervenções. No ano passado, foi feita a primeira redução do tamanho do estômago para tratamento de obesidade por via laparoscópica. O estômago da paulista Ashley Boniface, de 35 anos, ficou com 1,5% do tamanho original. Apesar de ter passado por uma operação de grande porte, no dia seguinte caminhava pelo quarto e tomava banho sozinha. Ashley caiu de 108 quilos para 64 com apenas quatro cortes de 1 centímetro cada um(veja reportagem sobre a redução de estômago).

Útero fatiado – Conforme os médicos se convertem às cirurgias minimalistas, a indústria desenvolve equipamentos mais sofisticados. "Com a qualidade de imagem que a radioscopia permitia dez anos atrás, tratar aneurisma cerebral por via endoscópica seria muito arriscado", afirma o neurorradiologista do Hospital Sírio Libanês Odon Ferreira da Costa, que já fez cerca de cinqüenta embolizações de aneurisma com molas metálicas. Até pouco tempo atrás, o tamanho do mioma, um tipo de tumor benigno que dá no útero, era um obstáculo à histerectomia por via laparoscópica. O problema foi resolvido com o morcelador elétrico, aparelho de nome assustador para os leigos e função bem objetiva: ele "fatia" o útero ainda dentro do corpo para que o órgão possa ser extraído, em tiras, por um dos furinhos feitos na barriga da paciente. "Agora retiramos tumores de 10 centímetros sem dificuldades, só não operamos os muito grandes ou os malignos em estágio avançado", diz Francesco Viscomi, um dos precursores da laparoscopia ginecológica no Brasil.

A proposta inicial das cirurgias endoscópicas era dar mais conforto ao paciente e mais segurança ao cirurgião. Aos poucos, porém, as mudanças e os progressos foram tantos que elas acabaram por alterar o conhecimento sobre as doenças e, conseqüentemente, o modo de encará-las. Antes delas, quando um menisco estava danificado, a opção médica era arrancá-lo. Com a possibilidade de ver o que acontece dentro do joelho através da artroscopia, descobriu-se que a falta do menisco provoca um desgaste muito prejudicial nas articulações do joelho. Hoje, preserva-se o menisco a qualquer custo. Há alguns anos, todo paciente que tinha cálculos renais com mais de 6 milímetros ia para a mesa de cirurgia e recebia um corte enorme na lateral do corpo para que a pedra fosse retirada. "Hoje acho absurdo optar pela cirurgia aberta", afirma Anuar Mitre. Além da opção da pulverização da pedra por ondas de choque, pode-se chegar até o cálculo e tentar destruí-lo ou recolhê-lo com uma cestinha através de um aparelho endoscópico que entra pela uretra, sem nenhum corte, ou por um nefroscópio, outro tipo de instrumento óptico, inserido por um pequeno corte nas costas.

Robô cardiológico – Constatados os benefícios e os avanços das técnicas menos invasivas, abrir menos, expor menos e manipular menos tornaram-se paradigmas para todas as pesquisas de novos tratamentos. A cardiologia transformou-se com a angioplastia, tratamento de entupimentos de vasos mediante o cateter, que livrou da mesa de cirurgia milhares de pacientes. Há cerca de cinco anos, começaram a ser usados estabilizadores que conseguem parar apenas a artéria que vai ser mexida e deixar o coração continuar batendo. Sem a necessidade de recorrer ao coração artificial, os cirurgiões já colocam pontes de safena e mamária e trocam válvulas cardíacas através de cortes de 6 ou 7 centímetros – uma grande diferença em comparação com a violência das cirurgias convencionais, nas quais o peito e o osso esterno são abertos. "Quando é possível abrir menos com a mesma segurança, fazemos assim", diz Sérgio Almeida de Oliveira, diretor científico do Instituto do Coração, em São Paulo. "É menos agressivo para o paciente." Na cardiologia, a meta agora é operar com cortes tão pequenos quanto os da laparoscopia. O que parecia impossível, pois o tratamento do coração envolve cortar e costurar vasos e tecidos em escala microscópica, está sendo experimentado com as cirurgias feitas por robôs. As "mãos" do robô, com câmara, luz e pequenos instrumentos, são inseridas no peito do paciente por meio de furos da espessura de um lápis. O cirurgião comanda os movimentos sentado diante de um console de computador a 5 metros do paciente ou mesmo, teoricamente, numa outra sala ou num outro país.

Esses avanços não representam o fim das cirurgias convencionais. "Por um bom tempo elas continuarão a ser indicadas, especialmente em casos mais complicados em que a visão e o tato do cirurgião forem imprescindíveis", afirma o obstetra Eduardo Vieira da Motta. Existe ainda a limitação do preço. O custo hospitalar das cirurgias light é menor, mas a aparelhagem é cara – começa na casa dos 20.000 dólares. "As cirurgias minimamente invasivas não vieram para tomar o lugar das abertas, mas chegaram para ser as preferidas", afirma Daher Cutait, diretor clínico do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Cirurgião do aparelho digestivo há mais de sessenta anos, Cutait não executa a nova técnica, mas recomenda a seus colegas mais jovens que a aprendam. "Ou então podem fechar o consultório", costuma dizer. No hospital que dirige, as cirurgias laparoscópicas do aparelho digestivo já passaram para trás as convencionais. Hoje são maioria.

Diários do pós-operatório

Elielze Saviano e Oneida dos Santos tiveram de tirar o útero por causa de miomas, um tipo de tumor benigno. A cirurgia de Elielze foi feita com cânulas introduzidas por pequenos cortes e a de Oneida, pelo método convencional.

Fotos Claudio Rossi

Oneida:
cirurgia tradicional

Internação: dezesseis horas antes da operação
Horário da cirurgia: 9 horas
Cinco horas depois da cirurgia: "Estou na UTI com soro na veia e sonda urinária; sinto muita dor no corte e lá dentro"
À noite: "Dormi mal"
Dia seguinte: "Fui para o quarto; as dores já não são tão fortes. Ando com dificuldade. À tarde, tiraram o soro. Comi um pouco. Dói"
Quarto dia: "Tiraram a sonda; fui para casa, graças a Deus"
Sétimo dia: "Passo o dia sentada, senão, dói. Minha barriga ainda está inchada por causa dos pontos"

Elielze: nova técnica
Internação: duas horas antes da cirurgia
Horário da cirurgia: 15 horas
Cinco horas depois da cirurgia: "Acordei com fome, sem dor mas com um pouco de enjôo"
À noite: "Tomei chá, comi biscoito e queijo, depois dormi"
Dia seguinte: "Recebi alta às 7h30, tomei café e fui para casa. À tarde, fui fazer supermercado, com meu marido dirigindo o carro"
"Sinto certo desconforto por causa de gases, mas não tenho dor"
Sétimo dia: "É como se eu não tivesse passado por uma cirurgia"